Manejo da Dor Crônica: Uma Revisão de Terapias Farmacológicas e Não Farmacológicas
Isadora Sobral Cardoso Nogueira, André Cades Barbosa Paz Oliveira de Melo, Nathan Borges Marretto, Aníbal Lataliza Silva Neto, Victor Alexandre de Lima Ferreira, Elisabeth Dotti Consolo
A dor crônica é uma condição multifatorial persistente além de três meses, afetando a qualidade de vida de milhões de pessoas no mundo. Este artigo revisa as principais estratégias de manejo, incluindo terapias farmacológicas (anti-inflamatórios não esteroides, opioides, antidepressivos e anticonvulsivantes) e não farmacológicas (terapia cognitivo-comportamental, exercícios físicos, reabilitação interdisciplinar e práticas integrativas). A busca bibliográfica foi realizada em bases como PubMed, SciELO e Web of Science, abrangendo estudos até 2021. As evidências apontam que, embora a medicação seja essencial para o alívio sintomático inicial, muitos pacientes apresentam efeitos adversos ou resultados insatisfatórios quando não associada a intervenções complementares. Dessa forma, programas de atividade física, suporte psicológico e abordagens interdisciplinares demonstram potencial significativo para reduzir a intensidade dolorosa, melhorar a funcionalidade e promover o autogerenciamento da condição. Conclui-se que a adoção de estratégias multimodais e individualizadas oferece as melhores perspectivas no tratamento da dor crônica, exigindo-se, ainda, avanços na pesquisa para aperfeiçoar protocolos clínicos e ampliar o acesso a essas abordagens.
Chronic pain, defined as pain lasting more than three months, is a multifactorial condition that significantly affects the quality of life of millions of people worldwide. This article reviews the main management strategies, including pharmacological therapies (nonsteroidal anti-inflammatory drugs, opioids, antidepressants, and anticonvulsants) and non-pharmacological interventions (cognitive-behavioral therapy, physical exercise, interdisciplinary rehabilitation, and integrative practices). The literature search was conducted in databases such as PubMed, SciELO, and Web of Science, covering studies up to 2021. Evidence suggests that although medication is essential for initial symptomatic relief, many patients experience adverse effects or unsatisfactory outcomes when not combined with complementary interventions. As a result, physical activity programs, psychological support, and interdisciplinary approaches show significant potential in reducing pain intensity, improving function, and promoting self-management. It is concluded that adopting multimodal and individualized strategies offers the best prospects for chronic pain treatment, although further research is needed to refine clinical protocols and expand access to these approaches.
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INTRODUÇÃO
A dor crônica é uma condição multifatorial que persiste além do período normal de cicatrização, geralmente superior a três meses, e acarreta impactos significativos na qualidade de vida e nas atividades diárias dos indivíduos afetados (MERSKEY; BOGDUK, 1994; BREIVIK et al., 2006). De acordo com a International Association for the Study of Pain (IASP, 2012), a dor crônica pode estar relacionada tanto a processos neuropáticos quanto nociceptivos, podendo envolver aspectos psicossociais que potencializam o sofrimento do paciente (ATTAL et al., 2008). Estima-se que a prevalência de dor crônica na população geral seja elevada, resultando em consideráveis custos econômicos e sociais, especialmente quando se considera a perda de produtividade e a sobrecarga nos sistemas de saúde (VAN TULDER et al., 2002).
No contexto clínico, o manejo da dor crônica representa um desafio, pois envolve inúmeras variáveis, tais como etiologia, duração, características individuais do paciente e comorbidades (TURK; WILSON; CAHILL, 2010). O desenvolvimento de sensibilização central, fenômeno no qual o sistema nervoso se torna hiperexcitável e amplifica a percepção dolorosa, contribui para a complexidade dessa condição (WOOLF, 2011). Assim, a abordagem terapêutica passa por estratégias diversas, que incluem tanto o uso de fármacos analgésicos e neuromoduladores quanto intervenções não farmacológicas, como terapias cognitivas, exercícios físicos e técnicas de reabilitação (WADDLE et al., 2013; MANCHIKANTI et al., 2009).
As terapias farmacológicas evoluíram ao longo das últimas décadas, contemplando classes de medicamentos como anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), opioides, antidepressivos e anticonvulsivantes, cada qual com perfis específicos de eficácia e efeitos adversos (ATTAL et al., 2008; MARTELL et al., 2007). Contudo, pesquisas indicam que, em muitos casos, a intervenção medicamentosa isolada não é suficiente para o controle adequado da dor crônica e que estratégias complementares podem potencializar os resultados (EHDE; DILLWORTH; TURNER, 2014). Nesse sentido, abordagens não farmacológicas, como psicoterapia cognitivo-comportamental, programas de exercícios e reabilitação interdisciplinar, têm demonstrado benefícios significativos na redução da intensidade dolorosa e na melhoria da funcionalidade (ARNSTEIN, 2000; BUSCH et al., 2013).
Diante da alta prevalência e do impacto negativo da dor crônica, faz-se urgente a adoção de medidas de manejo integradas, que considerem o paciente em sua totalidade e foquem tanto na redução do sofrimento quanto na restauração da capacidade funcional (BREIVIK et al., 2006). Este artigo tem como objetivo revisar as principais evidências acerca das terapias farmacológicas e não farmacológicas no manejo da dor crônica, identificando avanços, limitações e perspectivas futuras para o tratamento desta condição tão desafiadora.
Para a elaboração desta revisão, foi realizada uma busca bibliográfica nas bases de dados PubMed, SciELO e Web of Science, contemplando publicações até o ano de 2021. Foram utilizados descritores em português e inglês, como “dor crônica” OR “chronic pain”, “manejo” OR “management”, “terapia farmacológica” OR “pharmacological therapy” e “terapia não farmacológica” OR “non-pharmacological therapy”.
Estudos originais, revisões sistemáticas e meta-análises que abordassem o manejo da dor crônica.
Publicações em português ou inglês.
Disponíveis na íntegra.
Estudos que não enfocassem diretamente o manejo farmacológico ou não farmacológico da dor crônica.
Artigos duplicados ou não disponíveis na íntegra.
Relatos de caso isolados, cartas ao editor e trabalhos sem revisão por pares.
Após a triagem inicial de títulos e resumos, os artigos potencialmente relevantes foram lidos integralmente e avaliados quanto à qualidade metodológica. As informações extraídas foram agrupadas e sintetizadas de forma qualitativa, com ênfase nos tipos de intervenções, populações estudadas, desfechos e resultados.
Terapias Farmacológicas
As terapias farmacológicas representam uma das primeiras linhas de manejo da dor crônica, embora existam evidências de que, em muitos casos, a medicação isolada não resulte em alívio satisfatório e duradouro (BREIVIK et al., 2006; TURK; WILSON; CAHILL, 2010). Estudos apontam para a importância de personalizar a escolha do fármaco, considerando o mecanismo da dor e as características clínicas de cada paciente.
Os AINEs são amplamente utilizados no tratamento de dores musculoesqueléticas, como lombalgia crônica e osteoartrite. De acordo com Van Tulder et al. (2002), os AINEs podem reduzir a inflamação local e proporcionar alívio moderado de sintomas, mas seu uso prolongado está associado a riscos gastrointestinais e renais, sobretudo em idosos ou em pacientes com comorbidades.
Em revisões sistemáticas recentes, observou-se que os AINEs apresentam eficácia superior ao placebo em dores de intensidade leve a moderada, mas devem ser utilizados com cautela quando administrados em longo prazo (WOLF, 2004).
Os opioides, como tramadol e morfina, são indicados para dores moderadas a intensas. Contudo, o risco de dependência, tolerância e efeitos adversos (por exemplo, constipação, sedação e depressão respiratória) leva ao debate constante sobre sua prescrição (MANCHIKANTI et al., 2009).
Martell et al. (2007) constataram, em revisão, que pacientes com dor lombar crônica em uso de opioides por períodos prolongados apresentavam maior risco de abuso e desfechos funcionais insatisfatórios, ressaltando a importância do uso criterioso e do monitoramento constante.
Antidepressivos tricíclicos, como a amitriptilina, e inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSN), como a duloxetina, são frequentemente indicados em dores neuropáticas e fibromialgia (ATTAL et al., 2008). Além da modulação de
neurotransmissores relacionados à dor, esses fármacos podem auxiliar no manejo de sintomas de ansiedade e depressão que muitas vezes coexistem na dor crônica (EHDE; DILLWORTH; TURNER, 2014).
Em metanálises, observou-se melhora significativa da intensidade dolorosa e da qualidade de vida, sobretudo em quadros de polineuropatia diabética e lombalgia neuropática (HONORÉ et al., 2012).
Moléculas como gabapentina e pregabalina demonstram eficácia na redução da excitabilidade neuronal e, consequentemente, na intensidade da dor neuropática (HONORÉ et al., 2012). Alguns estudos também indicam benefícios na fibromialgia, diminuindo a hipersensibilidade difusa (ATTAL et al., 2008).
Efeitos adversos como tontura, sonolência e ganho de peso devem ser considerados, especialmente em pacientes que apresentam outras comorbidades (MARTELL et al., 2007).
Em diversos ensaios clínicos, combinações de fármacos (por exemplo, opioides em doses baixas com antidepressivos ou anticonvulsivantes) têm sido avaliadas para potencializar o alívio da dor, reduzir doses individuais e minimizar efeitos adversos (BREIVIK et al., 2006).
Há crescente interesse no desenvolvimento de novos fármacos que atuem em vias específicas de modulação da dor, como bloqueadores seletivos de receptores iônicos e moduladores de canais de cálcio. Contudo, esses medicamentos ainda estão em fase de estudos iniciais (WOOLF, 2011).
Terapias Não Farmacológicas
As intervenções não farmacológicas vêm ganhando destaque no manejo da dor crônica, em razão de seu potencial para intervir em múltiplos aspectos da experiência dolorosa e reduzir a dependência de medicação (WADDLE et al., 2013; TURK; WILSON; CAHILL, 2010). Vários estudos mostram que a associação de técnicas de reabilitação física, suporte psicológico e educação do paciente resulta em melhor controle da dor e em maior adesão às recomendações terapêuticas.
A TCC é uma abordagem pautada na reestruturação cognitiva e no desenvolvimento de habilidades de enfrentamento frente à dor (ARNSTEIN, 2000). Em meta-análises, demonstrou-se redução significativa da intensidade dolorosa, da ansiedade e da depressão em pacientes com dor crônica submetidos à TCC, além de melhorias na função social e ocupacional (EHDE; DILLWORTH; TURNER, 2014).
A TCC pode ser aplicada em sessões individuais ou grupais, e seus efeitos positivos podem se manter por períodos prolongados, especialmente quando aliada a outras estratégias, como exercícios físicos e educação em dor (BUSCH et al., 2013).
Programas de atividade física são considerados pilares no tratamento de condições como lombalgia crônica, fibromialgia e osteoartrite (BREIVIK et al., 2006). Exercícios aeróbicos, treinamento de força muscular e alongamento podem reduzir a intensidade da dor, melhorar a amplitude de movimento e aumentar a função (VAN TULDER et al., 2002).
Uma revisão de Busch et al. (2013) indicou que exercícios supervisionados apresentam melhores resultados na diminuição do desconforto e na melhora da capacidade funcional, principalmente quando associados a estratégias de autogerenciamento.
Modelos de tratamento que envolvem equipes multidisciplinares (médicos, fisioterapeutas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros e outros) oferecem planos de cuidado individualizados (WADDLE et al., 2013). Esses programas são particularmente eficazes em dores de difícil controle, pois integram a reabilitação física, o suporte psicológico e a otimização da terapia farmacológica.
Estudos longitudinais apontam que pacientes que participam de programas interdisciplinares apresentam redução mais duradoura dos sintomas, melhora das habilidades de enfrentamento e maior retorno às atividades diárias (MANCHIKANTI et al., 2009).
Acupuntura, massagem terapêutica, mindfulness, meditação e outras práticas integrativas têm sido cada vez mais incorporadas ao manejo da dor crônica (WOLF,
2004). Embora alguns estudos ainda apresentem limitações metodológicas, há evidências de que essas intervenções podem auxiliar na redução do estresse, da tensão muscular e na regulação de neurotransmissores associados à dor.
A popularidade dessas estratégias está relacionada a seu baixo perfil de efeitos colaterais, porém é fundamental avaliar a qualificação dos profissionais envolvidos e a sinergia com as demais abordagens adotadas (EHDE; DILLWORTH; TURNER, 2014).
A educação em dor crônica inclui a conscientização do paciente acerca dos mecanismos da dor, da importância da adesão ao tratamento e da promoção de hábitos saudáveis (ARNSTEIN, 2000).
Programas de autogestão incentivam práticas diárias de exercício, técnicas de relaxamento e mindfulness, aumentando a autonomia do paciente e reduzindo o sentimento de desamparo frente à condição (TURK; WILSON; CAHILL, 2010).
A análise dos estudos revela que o manejo eficaz da dor crônica requer uma abordagem multimodal, associando fármacos com intervenções não farmacológicas (MANCHIKANTI et al., 2009). Ainda que medicamentos como AINEs, opioides, antidepressivos e anticonvulsivantes sejam fundamentais para o alívio sintomático, muitos pacientes não atingem controle adequado da dor com a terapia medicamentosa isolada ou apresentam efeitos adversos significativos (MARTELL et al., 2007; ATTAL et al., 2008).
Nesse contexto, as terapias não farmacológicas demonstram papel de destaque, contribuindo para a promoção de habilidades de enfrentamento, melhora funcional e redução das limitações impostas pela dor (EHDE; DILLWORTH; TURNER, 2014; BUSCH et al., 2013). O envolvimento ativo do paciente, por meio de estratégias cognitivas e adoção de práticas de exercícios físicos, tende a favorecer resultados mais duradouros. Além disso, a abordagem interdisciplinar facilita a integração dos aspectos físicos, emocionais e sociais, oferecendo planos de tratamento individualizados e mais abrangentes (WADDLE et al., 2013).
Contudo, ainda existem lacunas importantes a serem preenchidas. A heterogeneidade dos quadros de dor crônica dificulta a padronização de protocolos de tratamento e a condução de ensaios clínicos
com maior rigor científico. Ademais, fatores socioeconômicos e culturais podem influenciar o acesso às terapias e a adesão do paciente. Portanto, novas pesquisas devem focar na implementação de modelos de cuidado contínuo, que englobem tecnologias de suporte e monitoramento remoto, bem como na validação de biomarcadores que auxiliem na identificação de subgrupos de pacientes com diferentes perfis de resposta terapêutica.
O manejo da dor crônica é complexo e demanda intervenções que vão além do controle de sintomas, abrangendo aspectos biopsicossociais. As terapias farmacológicas, embora necessárias, possuem limitações e risco de efeitos adversos, ressaltando a importância das abordagens não farmacológicas para alcançar melhor controle da dor e maior qualidade de vida do paciente. Estruturas de reabilitação interdisciplinar têm se mostrado uma das estratégias mais efetivas, ao integrarem exercícios físicos, suporte psicológico e monitoramento clínico.
O presente estudo reforça a necessidade de uma visão holística para o tratamento da dor crônica, incentivando a adoção de abordagens multimodais e individualizadas. Perspectivas futuras envolvem a realização de estudos clínicos de alta qualidade, uso de ferramentas tecnológicas para educação do paciente e aprimoramento das estratégias de adesão ao tratamento. Diante da relevância do tema, investimentos em pesquisa e em políticas públicas que facilitem o acesso aos cuidados especializados são fundamentais para reduzir o impacto da dor crônica na sociedade.
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